terça-feira, 15 de março de 2011

A dois passos do apocalipse

Ainda inebriados pela destruição completa por que passaram, mais de 200 mil japoneses que moram próximos à usina nuclear de Fukushima, uma das três que enfrentam problemas, tiveram que ser evacuados após o anúncio de vazamento radioativo de nível 4, o pior na escala desde a tragédia de Chernobil. Outros 160 mil estão mantidos em quarentena. De crianças a plantas, tudo pode estar contaminado pela radiação.


Radiação que permanecerá, de forma inodora, incolor, insipida. Os efeitos serão sentidos a partir da ocorrência cada vez maior de câncer, de degenerações ambientais e animais e perdurarão por gerações. Cidades fantasmas surgirão como uma nova Chernobil. Como em Chernobil, autoridades japonesas demoraram horas preciosas para alertarem a população e ordenarem a evacuação. Diante de uma situação crítica como essa e em um país do chamado primeiro mundo fica a pergunta: e nossas usinas nucleares no Brasil? 


Por aqui temos duas usinas em operação (Angra I e II), uma terceira em construção (Angra III) e um programa nuclear que pretende instalar mais 8 usinas ao redor do território nacional. Logo após as tragédias japonesas nosso ilustre Ministro das Minas e Energia declarou que o Programa Nuclear Brasileiro não parará.

Relatório da Câmara dos Deputados sobre fiscalização e segurança nuclear apontou em 2007 sérias deficiências nos sistemas de gerenciamento, fiscalização e segurança nuclear no Brasil. Simples rejeitos hospitalares não são devidamente gerenciados e representam enormes riscos a população. O caso do Césio 137 de Goiânia foi apenas o incidente visível de uma rede de irresponsabilidade e desinformação oficial. Mas o mais grave é que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), um órgão governamental, que ao mesmo tempo regulamenta, licencia e fiscaliza os usos da energia nuclear no país e, ainda atua em atividades de fomento, de pesquisa e aplicação da tecnologia nuclear, além de ter sob seu controle instituições voltadas diretamente para atividades industriais. Cabe então a CNEN licenciar e fiscalizar atividades que ela mesma desempenha.  Os depósitos de resíduos não tem licenciamento e armazenam cerca de 20 mil toneladas.  O Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro, que nasceu na Ditadura Militar, tem o objetivo de proteger o programa e não a população. O raio de exclusão das usinas nucleares de Angra, em um eventual acidente foi reduzido de 15 para 5 km, contrariando todas as orientações internacionais.

Modelo parecido só existe no Paquistão e no Irã. Lembrando que o Brasil é signatário da Convenção Internacional de Segurança Nuclear e que ela não está sendo cumprida.

Produzir energia nuclear continua sendo arriscado: desde a extração, até o transporte e descarte do material radioativo, a população está exposta aos riscos de doenças fatais. O processo de geração de energia nuclear possui várias etapas. O minério radioativo passa por uma série de transformações em sete cidades, de três países, até se transformar em combustível para a usina nuclear. Depois de utilizado, transforma-se em lixo radioativo. Em todas essas etapas, há a possibilidade de ocorrer um acidente, contaminando água, solo, ar, além de pessoas e animais, e ainda não foi encontrado um destino seguro e permanente para esse lixo. A exposição ao material radioativo pode gerar nos seres humanos o desenvolvimento de câncer, má formação fetal, aborto, falência do sistema nervoso central, síndrome gastrointestinal, entre outras doenças. 

Há uma idéia corrente de que a geração de energia nuclear é livre de emissões de gases de efeito estufa. Não é bem assim. Os reatores não emitem gás carbônico diretamente, mas, no cálculo de toda a cadeia de produção - da construção da usina, extração do minério ao descarte do lixo radioativo - as emissões vão às alturas. A relação entre emissões totais e energia gerada faz da energia nuclear uma opção mais poluidora do que energias renováveis. De acordo com a metodologia de Storm e Smith para o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes nucleares emite de 150 a 400 gCO2/kWh, enquanto o ciclo por geradores eólicos emite de 10 a 50 gCO2/kWh.

Bahia e Brasil renováveisEnquanto isso aqui na Bahia, o Governo briga para sediar uma das novas usinas nucleares. Já há até local: nosso São Francisco.  Para isso ainda se pretende alterar a Constituição Estadual, que veda a instalação de usinas nucleares em solo baiano.  Em Caetité o subsolo já está contaminado, por conta da mineração de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), e ninguém assume a responsabilidade. Em 2004, por duas vezes, um navio carregado de urânio enriquecido da INB, entrou na Baía de Todos os Santos sem autorização dos órgãos competentes, com o objetivo de economizar no valor do frete.

Estudo de 2006 da Universidade de São Paulo (USP) revela que serão necessários R$9,5 bilhões e mais seis anos para a finalização de Angra III. Com um investimento menor, de R$7,2 bilhões, seria possível construir um parque eólico com o dobro da capacidade de Angra 3, ou seja, 2.700 MW, em dois anos – sem produzir lixo radioativo, sem o perigo de contaminação e com as emissões de gases estufa quase zeradas. 

O Brasil e a Bahia têm a grande oportunidade de se tornarem a vanguarda da nova era mundial baseada em fontes energéticas renováveis, e se colocar no cenário mundial como uma potência diante de um paradigma civilizatório por qual estamos passando. Apostar em fontes obsoletas, em uma matriz suja em uma indústria poluente só nos deixará para trás, não permitindo o aproveitamento real de nossas potencialidades. 

Os verdes tem papel central nessa estratégia. Na Europa somos responsáveis pela mudança na rota das politicas públicas energéticas. Não podemos esquecer que o movimento antinuclear e a favor da paz foi que geraram a maior parte dos partidos verdes ao redor do mundo. Aqui no Brasil temos tido papel decisivo nos debates nacionais e precisamos continuar. A agenda ambiental, fora modismos e convenções, só sairá do papel a partir da nossa ação. Bahia e Brasil renováveis.

Combinar o uso de energias renováveis, a descentralização da geração, o respeito aos limites naturais e suas leis, eliminar por completo a utilização de energias poluentes e que gerem grande passivo e racionalização do consumo são partes de uma mesma equação que levará o Brasil a potencia do novo milênio, onde novos modelos precisam ser criados para que um novo paradigma civilizatório se torne de fato emergente e altere a rota de desenvolvimento que já demonstrou ter se esgotado.


*Engenheiro Ambiental, Presidente do Partido Verde de Salvador e Membro da Direção Estadual do PV Bahia.

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